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Semana do artesão promete mobilizar criadores locais

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Retomada presencial da Semana do Artesão, em Campo Grande, e evento de grande porte em Brasília, no mês de maio, prometem mobilizar criadores locais

O artesanato é uma das grandes paixões e uma distinção e tanto para a maioria dos sul-mato-grossenses.

Às vésperas do Dia do Artesão, comemorado em 19 de março, cresce a expectativa em torno das celebrações deste ano e de iniciativas que fomentam essa atividade de grande valor artístico e cultural que, apesar da importância inegável, ainda sofre bastante preconceito, especialmente sob a comparação com a chamada “arte autoral”.

Autoral bem entre aspas, pois essa discussão, que divide e compara linguagens e expressões, está superada, há décadas, por especialistas no assunto, a exemplo do modernista Mário de Andrade (1893-1945), que fez uma conferência antológica sobre o tema, “O Artista e o Artesão”, em 1938, ainda hoje tomada como referência.

Ao largo da querela dos especialistas, o poder público anuncia ações de reconhecimento e incentivo.

A Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS) e a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Sectur) realizam, a partir de sexta-feira, a 14ª edição da Semana do Artesão, que, até o dia 26 deste mês, vai ocupar escolas municipais, o Shopping Campo Grande e a sede do Sebrae/MS (Av. Mato Grosso, nº 1.661, Centro) com uma vasta programação e homenagens a Indiana Marques, Araquém Leão e Edson Alves da Cruz, três ícones do artesanato local.

Ligada à Secretaria de Estado de Cidadania e Cultura, a FCMS também está com inscrições abertas, até 8 de abril, para a seleção de artesãos que vão integrar o estande bancado pelo governo do Estado no próximo Salão de Artesanato – Raízes Brasileiras, a ser realizado no mês de maio em Brasília.

ARTISTAS OU NÃO?

A programação da Semana do Artesão conta com uma série de atividades, todas com acesso gratuito – feira de artesanato, exposições, oficinas, shows, palestras e rodadas de negócios. Ainda não foram divulgados mais detalhes da programação do evento.

Os três homenageados deste ano foram escolhidos por entidades representativas do artesanato em Mato Grosso do Sul, conforme a trajetória de cada um, neste segmento que Andrade perfila em sua reflexão dos anos 1930.

“Afirmemos, sem discutir, por enquanto, que todo artista tem de ser ao mesmo tempo artesão. Isso me parece incontestável e, na realidade, se perscrutamos a existência de qualquer grande pintor, escultor, desenhista ou músico, encontraremos sempre, por detrás do artista, o artesão”, observa o escritor paulista, autor do clássico “Macunaíma” (1928).

REINVENÇÃO E RENDA

“A Semana do Artesão de 2022 é um evento muito esperado após dois anos de pandemia, pois em 2020 tivemos de cancelar o evento e em 2021 tivemos a experiência de fazer de forma virtual”, afirma Katienka Klain, gerente de Desenvolvimento de Atividades Artesanais da FCMS.

“Este ano temos boas expectativas, vamos voltar de forma presencial com uma extensa programação e uma grande feira de artesanato no Shopping Campo Grande, que sempre foi o desejo da classe. Contamos com um grande número de comercializações e negócios para os artesãos de MS, assim voltando o crescimento da geração de renda”, aposta Klain.

O diretor-presidente da FCMS, Gustavo Cegonha, comenta os vários “desafios” impostos a todos os setores, principalmente à cultura, e a importância da comercialização de peças artesanais.

“A fundação se reinventou para enfrentar o isolamento social e continuar ofertando apoio aos artesãos sul-mato-grossenses, em 2021 com a Semana do Artesão totalmente on-line e agora voltando à forma presencial, garantindo mais participação dos artesãos e da comunidade”.

HOMENAGENS

Indiana Marques nasceu em Ponta Porã, na fazenda de erva-mate de seu pai, e passou a morar em Campo Grande ainda na juventude. Trabalha com artesanato há décadas, investindo principalmente na cerâmica, sua vocação desde sempre.

Na verdade, a artesã considera sua relação com o material um reencontro das brincadeiras de infância com o barro da beira do rio. O seu trabalho com as “bugras” conquistou um mercado que não pára de crescer em vários estados brasileiros e estende-se a outros países, como Itália e Portugal.

Além do olhar sobre a vida e o cenário em que viviam, as árvores, as flores e os animais, vêm de sua mãe também o sentimento que desenvolveu pela cultura indígena e a amizade e a convivência com as tribos que viviam na fazenda.

Na infância, Indiana conheceu indígenas que a acompanhariam por toda a vida. As índias trabalhando, as crianças risonhas, as pinturas, os costumes, tudo isso foi parar em suas peças.

“O artesanato, no início, era uma coisa lúdica e, com o passar do tempo, passou a fazer parte da minha rotina de forma que eu ganhasse dinheiro. Mas isso só foi depois, quando eu fui viajando pelo Brasil e entendendo o artesanato como uma forma de representar um local, uma região, um povo, e essa mesma obra fazer parte de um trade de ação turística”, conta Indiana.

“Com o passar dos anos, fui ficando conhecida, fui ganhando prêmios nacionais e internacionais, e sou reconhecida como artista popular brasileira. Ser homenageada é consequência do trabalho, é consequência da luta, do reconhecimento nacional. Quando alguém pensa em Mato Grosso do Sul, hoje, pensa no meu trabalho”, orgulha-se a artesã.

Nascido em Campo Grande e falecido no ano passado, Araquém Leão tinha a fala grossa e o semblante sereno. Seu Araquém, como o chamavam, vivia do ofício que tanto amava. Fazia facas, criava espetos de churrasco e chairas com materiais que antes não tinha utilidade: ossos bovinos e de avestruzes.

“É um trabalho que faço me divertindo, é interessante que encaro como um trabalho, uma profissão, para mim é uma grande terapia fazer esse tipo de artesanato, é um grande prazer, um sonho”, disse o artesão no livro “Vozes do Artesanato” (2012).

Fabio da Silva Leão, filho do mestre, conta que seu Araquém gostava muito do ofício.

“Quem faz artesanato tem que gostar e ter o dom. Meu pai fazia as peças conforme os pedidos, ele morava em Campo Grande e eu o trouxe para morar comigo em Rio Verde nos últimos dois anos, por conta do estado de saúde dele. Trabalhou até os últimos dias de vida”, conta Fabio.

“Meu pai era uma pessoa bem simples, descontraída, humilde até em excesso, educada com as pessoas. Fiquei superfeliz com essa homenagem. A gente tem um misto de sentimentos, para nós ainda é difícil falar sobre o assunto. É uma recordação difícil, me emociono ao falar do meu pai”, confessa o filho de Seu Araquém.

Nascido em maio de 1948, na fazenda Cordilheira, em Corumbá, Edson Alves da Cruz, pai de 10 filhos, começou sua carreira profissional trabalhando no campo, fazendo frete, curral, cercas, tirando lenha e em comitivas de gado pelo Pantanal afora.

O seu trabalho lhe permitia observar os animais nos mínimos detalhes. Nas horas de folga, Edson confeccionava gamelas para que, quando fosse para a cidade, pudesse vendê-las, conseguindo fazer uma renda extra.

Em uma dessas gamelas, resolveu, sem nenhuma pretensão, esculpir um animal do Pantanal, no caso um tuiuiú.

Fez tanto sucesso que fez outras, mas ainda não vivia de sua arte. Quando viu a possibilidade de mudar para a cidade, montou sua marcenaria, onde fazia móveis entalhados, molduras e outros itens.

Um certo dia, resolveu fazer um souvenir de tuiuiú, e o sucesso foi grande. Do tuiuiú para araras, tucanos, papagaios e outros pássaros, o voo foi rápido. Resolveu então fazer a capivara.

A convivência com os bichos o fez ser conhecedor da anatomia e dos movimentos dos animais. Não se trata apenas de uma questão de confeccionar as peças, mas de dar-lhes características bem parecidas com os originais.

Como participar

Os interessados em participar do estande do 14º Salão de Artesanato – Raízes Brasileiras, de 4 a 8 de maio, em Brasília (DF), devem preencher o formulário disponível no site da FCMS: www.fundacaodecultura.ms.gov.br.

Via Correio do Estado MS

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