Voz do MS

Internacional

Lula na Rússia: Entre o pragmatismo estratégico e os riscos da ambiguidade

jornalismo@vozdoms.com.br

A visita de Lula à Rússia reforça os laços históricos entre os dois países, mas impõe riscos à imagem internacional do Brasil

As relações diplomáticas entre Brasil e Rússia possuem raízes históricas profundas, formalizadas já em 1828 e fortalecidas de forma mais substantiva a partir da década de 1980. Desde então, a interlocução bilateral tem se expandido por meio de visitas presidenciais regulares, mecanismos institucionais de cooperação e diálogo político em múltiplas frentes. A criação, em 1997, da Comissão de Alto Nível (CAN) e de sua instância executiva, a Comissão Intergovernamental (CIC), consolidou um canal estável para tratar de temas como energia, ciência, tecnologia, agricultura e turismo. O reconhecimento da parceria como estratégica, formalizado em 2002, conferiu ainda maior densidade a esse vínculo, que passou a ser exercido também em articulações multilaterais como ONU, G20 e BRICS.

Do ponto de vista comercial, a relação é marcada por forte complementaridade. Em 2022, o intercâmbio bilateral somou US$ 9,8 bilhões, com destaque para a exportação brasileira de produtos do agronegócio e a importação de fertilizantes russos – insumo vital para a segurança alimentar e a competitividade internacional do setor agrícola brasileiro. As partes demonstram interesse mútuo em sofisticar essa pauta, explorando oportunidades de cooperação industrial e tecnológica, sobretudo nos campos da energia e da defesa.

Contudo, a aproximação com Moscou, ainda que legítima do ponto de vista do interesse nacional, impõe desafios à condução da política externa brasileira, particularmente em momentos de alta sensibilidade internacional. A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Moscou, por ocasião das celebrações do Dia da Vitória em 2025, é emblemática nesse sentido. A presença do líder brasileiro ao lado de Vladimir Putin, enquanto a guerra na Ucrânia persiste e a Rússia enfrenta sanções e isolamento por parte do Ocidente, levanta questionamentos sobre a coerência do discurso brasileiro em defesa da paz, da democracia e do direito internacional.

Embora o governo justifique a viagem como parte de uma política externa autônoma e não alinhada, a leitura simbólica da visita não pode ser ignorada. Participar de um evento carregado de valor militar e nacionalista ao lado de um chefe de Estado acusado de graves violações da legalidade internacional fragiliza a posição brasileira de neutralidade e pode ser interpretado como um endosso tácito à estratégia russa. Mais do que isso, a visita pode ser explorada por Moscou como instrumento de propaganda para demonstrar que a Rússia não está isolada – exatamente o oposto do que buscam píses europeus e aliados da Ucrânia.

Nesse cenário, os custos reputacionais e diplomáticos são concretos. A aproximação com a Rússia, especialmente em um contexto simbólico como o do Dia da Vitória, pode prejudicar o diálogo com outros parceiros, como a União Europeia, além de provocar desgaste nas relações com Kiev. Também pode comprometer a imagem do Brasil como ator confiável e coerente em sua atuação internacional, sobretudo ao se considerar o alinhamento frequente do governo brasileiro com regimes considerados autoritários.

Não se trata aqui de negar a legitimidade das relações com Moscou, tampouco de ceder a pressões externas que desconsiderem a complexidade da inserção internacional brasileira. Trata-se, sim, de refletir sobre os limites e as consequências da ambiguidade estratégica. O Brasil tem tradição diplomática suficiente para dialogar com diferentes atores globais sem abdicar de seus princípios – e, sobretudo, sem se tornar peça em jogos narrativos alheios à sua agenda. A visita de Lula à Rússia, nesse contexto, expõe as tensões entre pragmatismo e coerência, entre autonomia e responsabilidade internacional.

Comentários

Últimas notícias