Voz do MS

Crônica Judiciária

A execução penal e o futuro da (in)segurança pública

José Trad

Arte Crônica Judiciária

É sabido que, oficialmente, a pena de morte não é aplicada no Brasil, pelo menos desde 1876, tendo sido abolida do ordenamento jurídico pátrio com a Proclamação da República em 1889, sendo hoje permitida pela Constituição Federal apenas na hipótese de guerra declarada pela Presidência da República, com autorização do Congresso Nacional.

Apesar disso, notícias sobre mortes em série nos presídios de Mato Grosso do Sul se multiplicam e, muito embora os presos estejam sob a custódia do Estado, nenhuma medida é anunciada pelo Governo, que se limita a tomar medidas paliativas, que não trarão a almejada solução para o problema carcerário.

A OAB, por sua vez, que deveria estar atuando na linha de frente desse estado de coisas inconstitucional, com poderosos instrumentos jurídicos e institucionais para fazer frente à omissão das autoridades do Executivo na execução penal, deixa de cumprir sua importante tarefa de defesa dos direitos fundamentais da cidadania.

Enquanto isso, o Estado continua a se fazer de rogado e os presos, por sua vez, sujeitos a sofrer penas cruéis, quando não a de morte.

Nesse cenário, já se tendo um estado de absoluta falência do sistema carcerário, gerador de toda sorte de violência social, decisões como a recentemente prolatada pelo Superior Tribunal de Justiça, nos autos do HC 360.907, que anunciou o restabelecimento, com base nas Regras Mínimas para o Tratamento de Presos da Organização das Nações Unidas (ONU), da liberdade condicional de um condenado que cumpria pena no Estado de São Paulo, merecem ser destacadas, por mostrar o perigo de se crer na prisão como a solução para a diminuição da criminalidade.

Segundo o Ministro Rogério Schietti Cruz, prolator da comentada decisão, embora a Lei de Execuções Penais Brasileira tenha seguido o princípio das Regras Mínimas para o Tratamento de Presos da Organização das Nações Unidas, também chamadas de Regras de Mandela, tornou-se comum no Brasil a privação ou a limitação de direitos não alcançados pela sentença condenatória, o que estaria a conduzir em uma odiosa "hipertrofia da punição”, causa de “reincidência, pela formação de focos criminógenos que propicia”.

Afirmando que a pena deve ter como propósito criar nos presos a vontade de levar uma vida de acordo com a lei, capacitando-os à autossuficiência após a soltura, além de desenvolver no sentenciado o devido senso de responsabilidade e autorrespeito, o Ministro levou em consideração que, enquanto em vigor a liberdade condicional concedida pelo juiz, e posteriormente cassada pelo Tribunal de São Paulo, o sentenciado conseguiu romper os limites impostos pelas grades e enfrentou as barreiras para a superação dos deslizes do passado, reencontrando sua dignidade no seio de sua família e no emprego lícito, com registro em carteira de trabalho.

Prestigiou-se, assim, as condições pessoais como fator decisivo na avaliação de direitos do condenado, acertando-se na conclusão de que devolvê-lo para o sistema carcerário contribuiria tão somente para atrasar o seu progresso pessoal, podendo representar, além do mais, ante a ausência de política carcerária e da falta de autoridade do Estado nos estabelecimentos prisionais do país, um convite à reincidência.

De fato, a decisão do Superior Tribunal de Justiça traz a esperança de que o pensamento de que a pena será tanto mais eficiente quanto maior for a restrição à liberdade e o sofrimento impingido ao condenado, seja aos poucos suplantado pela ideia de que a humanização da pena repercute não só no progresso do condenado, mas também e obviamente, na redução da criminalidade.

Política carcerária que observe o aspecto humanizador da pena (ou a ausência dela) e segurança (ou insegurança) pública são faces de uma mesma moeda. Não é por acaso que, no Brasil, o crime se organiza a partir dos presídios.

José Belga Assis Trad, advogado.

Voz (1)

 

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