Voz do MS

Cultura

Saiba como anda a leitura dos brasileiros e por que o hábito é considerado tão favorável

Redação
Apesar de o País ter perdido leitores ao longo dos anos, o hábito é um dos mais importantes processos de aprendizagem humana

O domínio da leitura costuma ser cercado de uma grande comoção por parte de todos que acompanham o nascimento de um novo leitor — familiares, professores, amigos.

Em um país como o Brasil, marcado pela dificuldade de acesso aos bens essenciais, a variação no número de leitores pode ganhar contornos sociais trágicos e preocupantes. Mas, afinal de contas, o que é a leitura? Por que ler é tão prazeroso e pode até se tornar algo prejudicial?

Em uma definição bem genérica, do ponto de vista científico, a leitura é um processo complexo que envolve no mínimo percepção, linguagem, memória, pensamento e inteligência.

Robert e Karin Sternberg descrevem em seus estudos sobre psicologia cognitiva, campo voltado para formas de contato, retenção e processamento das informações.

“Você precisa reconhecer as letras nesta página, juntá-las para formar palavras que tenham significado, manter o significado delas na memória até que tenha lido a frase ou mesmo o parágrafo, além disso, precisa pensar sobre a mensagem que o autor tentou passar ao leitor.  Embora muitos processos diferentes estejam em andamento, lemos com velocidade e precisão notáveis: um adulto lê aproximadamente de 250 a 300 palavras por minuto”.

A psicopedagoga Isabel Prata considera a leitura um dos mais importantes processos de aprendizagem humana, podendo se tornar um hábito que deve ser cultivado e estimado desde cedo.

“Lembrando que existem vários tipos de leitura, que incluem desde imagens a aspectos sensoriais, como, por exemplo, nas leituras de sinais e no braile”. Aos 54 anos, a especialista começou os estudos em Pedagogia em Fortaleza (CE), onde nasceu. Veio para Campo Grande e graduou-se em Educação pela Uniderp. Entre idas e vindas, fez pós-graduação em Psicopedagogia pela Universidade Estadual do Ceará.

Atualmente, além de ser professora da área de educação especial no Instituto Libera Limes, faz acompanhamento didático em várias escolas da cidade e atende a cursos em outras capitais.

“O hábito da leitura é sempre considerado positivo, porque aprimora vários estímulos cognitivos de atenção, de percepção de mundo e realidade, o vocabulário e a escrita, potencializando o raciocínio e a criatividade”, explica Isabel, que defende o despertar do interesse como a principal estratégia para o estímulo à leitura em qualquer faixa etária.

Para gostar de ler

O País perdeu 4,6 milhões de leitores entre 2015 e 2019, revela a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. O total de leitores, segundo o levantamento, chega a aproximadamente 100 milhões e corresponde a apenas 52% da população.

Embora as mudanças de hábito durante a pandemia apontem para um cenário de crescimento momentâneo, estamos longe da avidez de personagens como a garota Liesel, de “A Menina que Roubava Livros” (2005), romance de sucesso do australiano Markus Zusak que virou filme em 2013.

A falta de estímulo durante a fase infantil, embora não seja o único motivo, é o que mais conta para um indivíduo tornar-se alguém averso ao hábito da leitura. No Brasil, a média de livros lidos na íntegra é de 2,4 exemplares por ano, e 30% dos leitores admitem não compreendê-los facilmente.

“Para gostar de ler, a gente começa com uma boa conversa. Sempre começo com crianças, adolescentes, adultos e idosos assim. Quando descobrimos o interesse das pessoas, nós diversificamos as leituras até chegar na leitura visual, descritiva, investigativa e conseguir mediar conhecimentos pelo hábito da leitura”, afirma Isabel.

“Os idosos, no prazo de memória deles, lembram muito mais do passado do que do presente. Quando resgatamos o passado, pela história, trabalhamos a leitura motivacional. Com o tempo, eles vão lendo o presente e estimulando cognitivamente os neurônios, as sinapses de construção, a evolução da aprendizagem”, empolga-se a psicopedagoga, acelerando nos termos científicos.

NOVOS FORMATOS

Apesar de a leitura não ser prejudicial em si, a depender do conteúdo do que se lê e de aspectos comportamentais do indivíduo, o hábito pode, sim, causar prejuízos.

“Tudo que é exagero vai se tornando um fator que compromete o comportamento. Como a leitura é muita intensa, quanto mais a gente lê, mais busca, mais quer, mais aprimora. Ela também faz isso em proporções quando o indivíduo está em desalinho”, alerta Isabel.

Os vários suportes digitais, as telas nas quais se esparramam uma multiplicidade de formatos de textos e de escrita, configurando o que o ensaísta Roger Chartier chama de “textualidade eletrônica”, não deixam de entrar no cardápio cognitivo de Isabel Prata, porém com algumas ponderações.

“É uma leitura diferente. Todo mundo que tem o hábito de trocar informações por imagem ou por WhatsApp tem o hábito da leitura. Porém, categorizamos muito o hábito por aquele fator de antigamente. Consideravam que gostava de ler aquela pessoa que ia comprar o livro, que tinha uma biblioteca em casa”.

O que lê quem escreve

Membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras (ASL), o poeta Rubenio Marcelo é também um leitor de carteirinha e milita em favor da arte de se encantar pelos olhos e pelo pensamento em várias frentes.

Entusiasta de oficinas literárias, o autor de “Vias do Infinito Ser”, que entrou nas indicações de leitura para o vestibular da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) deste ano, faz campanha contra a pesada carga tributária que volta e meia ameaça transformar o livro em bem cultural ainda mais elitizado.

Rubenio Marcelo nos contou um pouco sobre sua paixão pelos livros e o que anda lendo.

A lista do poeta transforma esta reportagem em um tapete vermelho digno de vários prêmios Nobel. Confira:

“Nasci em um berço privilegiado e tive acesso [à leitura] desde cedo. A família e a escola devem ser os maiores influenciadores desse processo. Na minha adolescência e juventude, li muitos autores que ficaram como bases permanentes na minha obra literária. Muito cedo eu li [Carlos] Drummond [de Andrade], [Manuel] Bandeira, João Cabral [de Mello Neto], os meus poetas prediletos, a leitura difícil e complicada, clássica, simbólica, do livro “Eu”, de Augusto dos Anjos. Cecília [Meirelles], [Olavo] Bilac, Guimarães Rosa e Machado de Assis na prosa.

Li também obras marcantes de alguns conterrâneos cearenses, como Geraldo Mello Mourão, Artur Eduardo Benevides e até Patativa do Assaré, na sua poesia popular. Depois vieram outros autores com teor filosófico, como Heidegger, de quem sempre releio “Ser e Tempo”, que está muito arraigado no meu livro “Vias do Infinito Ser”, “Mensagem”, de [Fernando] Pessoa, e como não citar “Cem Anos de Solidão” [Gabriel García Márquez]. Gosto muito de Ferreira Gullar e estou a devorar um volume único maravilhoso com mais de mil páginas com a sua poesia completa, teatro e prosa, da editora Nova Aguilar”.

Via Correio do Estado

Comentários

Últimas notícias