Voz do MS

Segurança Pública

Um ano após plano de segurança, nenhuma nova vaga nas prisões brasileiras

Redação

[Via El País]

Lançado pelo Governo Michel Temer (MDB) há um ano após uma série de sangrentas rebeliões com chacinas em penitenciárias brasileiras, o Plano Nacional de Segurança Pública previa criar cerca de 10.000 novas vagas em prisões de todo país. Desde o anúncio nem uma só nova vaga foi criada. O Brasil tem a população prisional de 726.712 detentos para 368.049 vagas. Das 27 unidades da federação que receberam 800 milhões de reais para construírem as novas cadeias ou ampliarem antigas, apenas sete movimentaram os recursos para este fim e nem nestes casos o objetivo final foi alcançado. As outras 20 nada fizeram, sendo que três delas (Bahia, Espírito Santo e Pará) sequer apresentaram seus planos de ampliação. Os dados foram fornecidos pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública após uma solicitação do EL PAÍS.

Nem mesmo as cinco penitenciárias federais que custariam 200 milhões de reais aos cofres públicos saíram do papel. Dessas, apenas uma já tem local definido, a de Charqueadas, no Rio Grande do Sul. As outras quatro ainda passam pelo processo de análise de viabilidade para instalação. Estudos de engenharia e segurança foram feitos em seis Estados, mas ainda não há uma conclusão sobre qual deles receberão os complexos penitenciários.

Atualmente, há no país quatro penitenciárias federais em operação e outra (em Brasília) próxima de entrar em funcionamento. Nelas, está presa boa parte das lideranças de facções criminosas, como Primeiro Comando da Capital, Comando Vermelho e Família do Norte – grupos que há quase dois anos disputam territórios de controle do tráfico de drogas pelo país.

Enquanto isso, rebeliões seguem ocorrendo em penitenciárias superlotadas pelo país. As mais recentes aconteceram em Goiás. Foram três, sendo que na mais grave nove detentos morreram decapitados no Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia. Cenário semelhante (não em números, mas no modus operandi) ao registrado em janeiro de 2017 em Manaus (AM) e em Boa Vista (RR). Tanto no ano passado quanto neste, as polícias identificaram o envolvimento de facções criminosas nos motins.

Em entrevista coletiva nesta sexta-feira, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, afirmou que os casos de Goiás são isolados, não têm vinculação com grupos criminosos e dificilmente se repetirão em outras localidades. “Estamos preocupados, estamos acompanhando, mas o serviço de inteligência não indica nenhuma replicação”, afirmou Jardim.

Quem atua na linha de frente nos presídios, contudo, tem outra visão sobre a atuação governamental. “Desde as chacinas do ano passado só vimos medidas paliativas. Por isso não acaba a matança de presos”, afirmou o presidente da Federação Nacional dos Agentes Penitenciários, Fernando Anunciação.

O que tanto Anunciação quanto Jardim concordam é que os governos estaduais não têm se empenhado para reduzir esse problema. Dois exemplos emblemáticos estão no Amazonas e em Roraima, Estados que passaram pelas chacinas de 2017. O primeiro apresentou projetos para construir duas prisões e que comportariam 572 novos detentos. Já Roraima, previa criar 735 novas vagas com a reforma de duas prisões e a construção de uma nova, em Boa Vista. Nenhum desses projetos prosperou, até o momento. O dinheiro repassado pela União está paralisado. E nos locais onde o dinheiro foi investido, pouco dele foi usado. Os sete Estados que usaram parte do recurso da União para a construção de novas vagas gastaram juntos 14,1 milhões de reais, ou 1,76% de tudo o que havia sido previsto para este fim.

Com o contingenciamento de recursos e as seguidas mudanças no Ministério da Justiça (foram três desde 2016), algumas das ações passaram a ser revistas. Quando o Plano Nacional de Segurança Pública foi lançado, o então ministro da Justiça, Alexandre Moraes, anunciou que dentro de um ano todo o sistema penitenciário estaria sendo monitorado online em tempo real. Seu objetivo era saber, no mínimo, quantos presos estavam em cada penitenciária. Essa meta, porém, não foi cumprida. Segundo o ministério, ela foi postergada dezembro de 2018. Por enquanto, funciona em fase de testes em três localidades: Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal.

Passos de tartaruga

Se com relação ao sistema prisional as medidas pouco ou nada avançaram, em outras áreas a sistemática tem sido a mesma. O plano inicial previa a compra e instalação de 837 câmeras de segurança da Polícia Rodoviária Federal. Apenas 35 delas estão em funcionamento e 274 foram contratadas, mas só devem entrar em operação no segundo semestre.

Outra ação que parecia ser mais burocrática do que prática, emperrou. A Polícia Federal não conseguiu acordos de cooperação técnica com as 27 unidades da federação para compartilhamento do banco de dados de impressão digital. Além disso, o Ministério está revendo a necessidade de instalar o Laboratório de Perícia Criminal, algo anunciado com pompa pelo então ministro Moraes.

MALUF QUER DEIXAR DE SER VIP NA PAPUDA, PARA FICAR PRESO EM CASA

Área da penitenciária da Papuda, em Brasília.
Área da penitenciária da Papuda, em Brasília. GLAUCIO DETTMAR CNJ

A. BENITES

Se para os milhares de presos brasileiros o dia a dia nas cadeias é o de plena insalubridade com celas superlotadas, insetos e ratos transitando entre eles e tendo, muitas vezes, de dormir com o rosto ao lado de uma latrina, para um seleto de grupo de criminosos do colarinho branco vive trancafiado em áreas especiais. Os presos da Lava Jato e de outros escândalos de corrupção em Brasília, por exemplo, vivem dessa maneira. Entre eles os deputados Paulo Maluf (PP-SP), condenado por corrupção passiva, e Celso Jacob (MDB-RJ), o ex-deputado e ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB-BA), o homem do bunker de 51 milhões de reais, o ex-senador Luiz Estêvão (sem partido) e o delator e ex-executivo da JBS Ricardo Saud.

Enquanto assaltantes, homicidas e traficantes de drogas dividem suas celas com até outras 50 pessoas, em um espaço que comportariam 12, os presos VIPs estão em um bloco especial, no qual no máximo mais cinco estão no mesmo ambiente. O bloco 5 do Complexo Penitenciário da Papuda é destinado aos presos vulneráveis. Nesse grupo estão os políticos, os policiais e ex-policiais, os idosos e alguns estudantes. São considerados mais frágeis do que o restante da massa carcerária porque poderiam se tornar presas fáceis em eventuais rebeliões, serem alvo de vingança por parte de algum outro delinquente ou vítimas de extorsões.

“Presos como o Maluf ou o Luiz Estêvão são milionários. Os negócios dele continuam fora da prisão. Já pensou se um outro apenado tenta o extorquir? O Estado tem de garantir a vida deles e de todos os outros detentos”, explicou o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Distrito Federal, Leandro Allan Vieira.

Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, no DF, há 15.194 presos em 7.229 vagas. Essa superlotação, no entanto, não ocorre na ala dos políticos. “Tem umas 300 vagas no bloco, mas menos de 100 estão ocupadas”, afirmou o agente penitenciário Paulo Rogério Silva, que há dez anos atua na Papuda.

Fora a diferença nos espaços, os políticos presos na Papuda também têm maior tempo de banho de sol. Isso porque, como são considerados de baixa periculosidade, podem transitar por longos períodos entre as celas, a cantina e o pátio. O tempo livre é das 7h às 16h. Enquanto que nos outros blocos, esse período pode ser até três horas menor. A razão é que os demais detentos precisam ser escoltados a maior parte do tempo. Com relação à alimentação, nada muda. Tanto Geddel quanto um assaltante de ônibus têm as mesmas refeições.

Outra distinção entre os dois tipos de presos da Papuda, segundo quatro agentes ouvidos pela reportagem, é o número de advogados e de recursos que eles apresentam para tentar se livrar da cadeia. Paulo Maluf, o decano na idade – 86 anos – mas o calouro na ala política – preso desde o dia 21 de dezembro –, já apresentou ao menos dois pedidos para se livrar da prisão. Em ambos, alegou que seus problemas de saúde (contraiu um câncer e é cardiopata) o impediriam de ficar nesta prisão, por isso, gostaria de cumprir o regime domiciliar. As mortes de dois detentos por parada cardíaca apavoraram o deputado, que teme não ter atendimento de urgência, caso necessite.

Nos próximos dias, o juiz responsável pelo seu processo deverá receber um laudo do Instituto Médico Legal informando qual a gravidade das doenças de Maluf. Só então, decidir se ele será ou não transferido para a sua mansão em São Paulo.

Uma síntese da situação dos políticos presos e dos demais detentos foi feita em tom de desabafo pelo agente Silva: “O ladrão comete o crime e aguenta ‘pagar a cadeia’ [cumprir a pena]. O político, não. Aí, ele inventa pretextos para fugir da pena. E o que mais chateia e envergonha é ver que muitas vezes, ministros como o Gilmar Mendes, acreditam nas inverdades dos políticos e manda soltar todos eles. É um aborto”.

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