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‘Serenidade’ é receita para trabalhadores de apps em MS enfrentarem discriminação

Redação

Vídeo que circulou as redes sociais e virou notícia desde quinta-feira (6), mostrando um motoentregador que atua com o iFood sendo ofendido por um morador de Valinhos (SP), causou revolta e resultou até na exclusão do cliente do cadastro do aplicativo. A situação, contudo, não seria novidade na vida de quem trabalha horas a fio e em um ritmo frenético para realizar entregas e, ainda, acaba levando a culpa por situações alheias à sua vontade. Ou, até mesmo, é discriminado pelos estabelecimentos comerciais que os acionaram.

“Temos muita reclamação no sentido de o trabalhador sair para entregar e enfrentar situações como essa. Muitas vezes por faltar algo e acharem que o motoentregador é o responsável. Mas ele só leva o pedido”, afirmou Luiz Carlos Escobar, presidente do Sinpromes-MS (Sindicato Profissional dos Trabalhadores Condutores em Motocicletas, Entregadores, Similares e Autônomos Individuais sobre duas e/ou Três Rodas Motorizados ou Não do Estado) e diretor financeiro da Fetramoto (Federação Nacional dos Trabalhadores Motociclistas e Motofretistas Profissionais do Brasil).

O que fez a diferença na história do motoentregador Matheus Pires foi que, enquanto era ofendido pelo cliente, morador do condomínio fechado –que o chamou de “lixo” e “semianalfabeto” e ainda o acusou de ter inveja da sua casa e da cor da sua pele (o agressor é branco), além de ter cuspido e jogado a nota do serviço de entrega nele–, uma pessoa filmou o caso.

Como resultado da exposição do caso, o autor das injúrias foi expulso da plataforma do iFood e, segundo familiares, sofreria de problemas psiquiátricos. Já a vítima dos ataques recebeu apoios incondicionais de internautas, empresários, políticos e artistas –inclusive ganhando uma moto nova do apresentador Luciano Huck– e acabou alçado à condição de “herói” pela classe.

“A gente tem sorte quando tem alguém filmando para demonstrar o que a gente passa, porque não são poucas as coisas que acontecem, sofremos muito na pele”, afirmou Escobar, segundo quem a orientação, em tais situações, “é que o entregador mantenha a calma e, caso sofra discriminação, que saia dali e faça à delegacia fazer o boletim de ocorrência. O que acaba sendo difícil por conta da necessidade de prova”.

A mesma recomendação foi dada por Paulo Pinheiro, da Applic-MS (Associação de Parceiros de Aplicativos de Transporte de Passageiros e Motorista Autônomo de Mato Grosso do Sul), entidade que congrega os motoristas que atuam em aplicativos de transporte –também alvos de injúrias por parte de usuários e que, diante dos efeitos da pandemia do coronavírus, começaram a migrar para apps de entregas para reduzirem custos e continuarem trabalhando.

“O passageiro muitas vezes não entende a dificuldade do motorista para chegar até a origem [da corrida] e acontece de ele ficar irritado. O motorista muitas vezes passa por isso, como o motoboy. Recomendamos que o trabalhador se mantenha sereno, responda de forma tranquila e sem agressão”, disse. Pinheiro também destaca o fato de a ofensa a Matheus ter sido filmada, fundamentando meios de escancarar o preconceito contra a categoria.

Assédio é outra situação enfrentada por quem atua com aplicativos de transporte em Campo Grande

Nos apps de transporte, o assédio também é algo a ser combatido. Comumente relatada por usuários que denunciaram a prática por parte de alguns condutores, a situação tem seu outro lado, principalmente contra mulheres motoristas. “Acontecem algumas coisas que chegam à Applic-MS, como passageiros que fazem gracinhas e, na hora, a motorista releva e mantém a calma para tentar evitar um problema maior. Mas isso pode passar dos limites”.

“Nossa orientação é: seja sereno. Atendeu, entregou, ‘muito obrigado, agradeço a preferência’ e siga em frente. Mas as pessoas precisam entender que esta é uma profissão arriscada, estressante, na qual se ganha mais por mais entregas e fazem com que se trabalhe freneticamente”, destacou o presidente da Applic, admitindo também que, por força dessa rotina, muitos acabam exagerando no trânsito. “Acreditamos que não deveria se passar por isso para tirar seu dinheiro, mas se trabalha ‘em cima do laço’”.

Entregador relata situação vivida em restaurante: ‘ali, eu não podia entrar’

“Esse episódio de ofensa contra o entregador, com palavras de baixo calão, racismo, denegrindo a imagem do entregador, xingando como está na mídia, é coisa que convivemos todos os dias”, afirmou um profissional, que não será identificado, ao afirmar que os ataques vêm de todos os lados. “Somos humilhados todos os dias: desde o trânsito ao comércio e chegando no cliente final”.

Ele relatou um episódio pelo qual passou recentemente. Atuando pelo iFood e também no Uber Eats, o entregador disse que foi buscar um pedido em um restaurante de alto padrão no Centro da cidade. Após deixar capacete e mochila no veículo e entrar no local em busca de informações da entrega, afirmando se posicionar de forma a não atrapalhar o fluxo de clientes, o dono do estabelecimento teria colocado a mão no seu peito e dito para que aguardasse do lado de fora, “pois ali eu não podia entrar”.

“Disse que estava esperando um pedido e não era bandido, nem pedindo nada de graça. Estava trabalhando e, honestamente, esperava respeito pelos entregadores. Ele não estava nem aí, deu meia volta. Então, fui embora, sem esperar o pedido. Fui humilhado em frente de cantores, funcionários e clientes”, relatou.

“Onde a gente passa olham o ‘entregadorzinho’, o ‘doido’, o ‘louco’. Mas não enxergam o nosso trabalho. Muito entregador não trabalha correto, a grande maioria trabalha para levar o pão de cada dia para casa”, complementou.

Em outro caso, em um restaurante localizado no leste de Campo Grande, um motoentregador relatou que ficou cerca de meia hora à espera do pedido, até que seguiu até o balcão do estabelecimento questionar sobre a demora e pedir que o delivery só fosse acionado quando o produto estivesse pronto. “O cara [dono] partiu para cima dele, atacou o entregador”, contou.

“A gente pede que a população tenha respeito. Somos trabalhadores, buscando nossa sobrevivência em uma moto”, finalizou Luiz Carlos Escobar.

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