Voz do MS

Meio Ambiente

Mudanças no Pantanal fazem onças ficarem próximas de comunidades

jornalismo@vozdoms.com.br

Ataques a gados e a cachorros estão sendo estudados; repelentes luminosos estão sendo instalados

As condições do Pantanal diante de mudanças bruscas que vêm ocorrendo no bioma desde 2019 geraram alerta de entidades sobre a proximidade que animais silvestres estão tendo com comunidades ribeirinhas.

Um caso específico e que vem sendo tratado com mais atenção envolve onças-pintadas e moradores de regiões nos municípios de Ladário e Corumbá. Não houve ataque a humanos, mas, de 2021 para cá, há relatos de mais ocorrências desses animais buscarem cachorros como alimento.

A situação gerou comunicado oficial ao Ministério Público Federal de Corumbá, à Polícia Militar Ambiental e à Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar (Semagro).

O ofício relatando a necessidade de um estudo avançado ligado ao comportamento das onças-pintadas foi elaborado pela organização não governamental Ecoa. O despacho para as autoridades ocorreu em 27 de julho, em tom de alerta e frisando a necessidade de um planejamento de prevenção.

A ONG reconhece que a proximidade de onças-pintadas com comunidades ribeirinhas pode ter relação com os incêndios de 2020 e 2021, porém, reforça que é preciso fazer análises mais aprofundadas.

Conforme a ONG, é necessário buscar propostas que mantenham a relação de harmonia entre os humanos e as onças-pintadas. A entidade reforçou em ofício que o problema não é representado pela presença dos felinos, que estão em seu hábitat, mas que são necessários meios para gerenciar esse conflito.

“O intuito da representação é solicitar um maior envolvimento das instituições na proteção das comunidades, com medidas concretas para lidar com o problema, além da investigação das causas da alteração no comportamento desses animais. Existe grande possibilidade de que tal alteração seja consequência dos incêndios que devastaram o Pantanal nos últimos anos, desestruturando cadeias alimentares. Pesquisadores estimaram a morte de 17 milhões de vertebrados como causa direta dos incêndios. Esse número é possivelmente menor do que o número real, se considerarmos os impactos indiretos dos incêndios”, sustentou a Ecoa, em comunicado oficial.

Além da própria entidade, representantes da comunidade Barra do São Lourenço protocolaram ofício no Ministério Público Estadual para pontuar a presença de onças-pintadas e a preocupação dos moradores com relação à convivência com esses animais selvagens.

“Este ano a situação está muito crítica, estamos com muito medo, acabou praticamente com todos os cachorros da região”, comentou Eliane Aires, moradora da comunidade, à Ecoa.

A Barra do São Lourenço fica em uma região afastada e em meio ao Pantanal mais selvagem, na região da Serra do Amolar. O local está situado no município de Corumbá, mas distante cerca de 5 horas de viagem de embarcação pequena.

CASOS

Um caso específico gerou comoção na região porque uma senhora passou mal ao ver uma onça-pintada de perto.

“A senhora estava varrendo o quintal de manhã. Quando ela levantou a cabeça, uma onça vinha ao seu encontro, veio para cima, ela levou um susto imenso, caiu e chegou a passar mal”, disse Elaine.

Os primeiros casos relatados pela equipe da Ecoa ocorreram em dezembro de 2021. Moradores do Aterro do Binega haviam viajado para Corumbá para resolver problemas burocráticos e quando retornaram para a região viram que todos os cachorros haviam desaparecido.

Entre o ano passado e este ano, mulheres que trabalham como coletoras de iscas no Porto da Manga, às margens do Rio Paraguai, na Estrada Parque, reportaram que depois das 18h é perigoso realizar o trabalho, pois as onças-pintadas passaram a ser avistadas com maior frequência. Antes de 2020, elas conseguiam trabalhar até as 4h.

Outra região que consta no ofício é a do Porto Chané, onde os avistamentos são diários e os moradores comentaram que todos os cachorros da comunidade foram atacados.

Houve um registro de onça-pintada entrando em casa de morador também. Já na Área de Proteção Ambiental (APA) Baía Negra, em Ladário, uma onça atacou cachorros de uma moradora conhecida como Zilda.

“Neste momento, entendemos que é necessário estruturar um grupo científico de estudo para recolher informações mais detalhadas sobre toda a situação. Continuaremos com nossos alertas, juntamente com o trabalho de prevenção das brigadas comunitárias contra incêndios e o Prevfogo/Ibama para reduzir a possibilidade de fogo, situação que aproxima animais das casas dos moradores”, informou a Ecoa.

PROTEÇÃO ÀS ONÇAS

O Instituto Homem Pantaneiro (IHP), sediado em Corumbá, possui programa específico para atuar na gestão de conflitos entre onças-pintadas e seres humanos.

O projeto Felinos Pantaneiros vem acompanhando a situação na Serra do Amolar e desenvolvendo medidas que estão sendo testadas para que esses animais mantenham certa distância das comunidades.

Uma equipe formada por médicos-veterinários e biólogos do IHP tem acompanhado os casos de ataques de onças-pintadas a cães da comunidade Barra do São Lourenço, na Serra do Amolar.

“No Pantanal, as onças-pintadas tendem a escolher suas presas por influência do regime de inundação do bioma. Foi justamente no período de cheia que os casos de ataques a cães aumentaram na região do Rio Paraguai”, destacou o coordenador do Felinos Pantaneiros, Diego Viana.

Atualmente, existe um grupo de discussão formado por pesquisadores do IHP, ICMBio/Cenap, Embrapa, Ecoa, Panthera e Onçafari para viabilizar medidas eficazes de coexistência entre onças e ribeirinhos.

Esse grupo está desenvolvendo propostas de possíveis estratégias de mitigação para conflito, além de apurar o número de casos de ataques de onças a animais domésticos nas regiões de Corumbá, Ladário (ambas em MS) e Poconé (MT).

Entre os meios adotados para proteger as áreas estão a instalação de repelentes luminosos, a indicação para manejo de animais domésticos em regiões com mais possibilidade de ataque e a instalação de cercas elétricas com voltagem específica para garantir a proteção das comunidades e repelir as onças sem feri-las. O obstáculo que existe para a instalação dessas medidas é o custeio.

Pesquisadores do Felinos Pantaneiros alertam que a situação de ataque precisa ser gerenciada com medidas científicas, para evitar que ocorra o incentivo à caça, condição atualmente ilegal e passível de criminalização dos caçadores.

“Uma das principais ameaças para a onça-pintada é a caça por retaliação, em razão de este felino eventualmente atacar animais domésticos, como bovinos, caprinos, equinos e até mesmo cães e gatos”, afirmou Diego Viana.

Conforme o Instituto Homem Pantaneiro, além do trabalho para evitar ataques às comunidades, a entidade está com estudo em andamento para criar ações de proteção ao gado a partir de convênio firmado em julho com a Associação Brasileira de Pecuária Orgânica (ABPO).

“Com essa parceria, esperamos minimizar a perda de bezerros por felinos, por meio de estratégias de manejo, como a localização das maternidades em áreas com menor predisposição, o que ajuda no controle de predação de onças. As fazendas que fazem parte da associação também atuam no trabalho de prevenção e combate aos incêndios florestais, que são muito suscetíveis nas épocas de seca”, ressaltou Eduardo Cruzetta, presidente da ABPO.

Via Correio do Estado MS

Comentários

Últimas notícias