Voz do MS

Crônica Judiciária

Justiça por atacado

José Trad

eu-no-conselhoTrago hoje para discussão o modelo atual de se distribuir justiça no Brasil.

Seja no cível ou no crime, tem-se tornado cada vez mais comum no Judiciário as decisões padrão, aquelas que, aparentemente, servem a qualquer caso, mas na realidade não são adequadas a nenhum.

Por exemplo.

Em uma das câmaras cíveis do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, observei que o julgamento dos processos se faz por “lote”.

Funciona assim: o presidente da sessão anuncia que serão julgados os processos de 1 a 20 da pauta, destacando que todos se referem a recursos contra o indeferimento de justiça gratuita em primeiro grau.

O presidente pergunta se há divergência, todos respondem que não e pronto. Os recursos de 1 a 20 da pauta foram julgados. E negados.

Fiquei a me perguntar: será que esses casos não tinham suas particularidades, que mereciam ser debatidas e discutidas?

Outro dia, deparei-me com uma decisão da Vice-Presidência do mesmo Tribunal, que decidiu acerca da admissibilidade de um recurso especial.

A decisão poderia ser utilizada naquele e em milhares de outros casos. Mas, no fundo, não era adequada a nenhum. E por uma razão muito simples: não foi feita a análise do caso. O processo tinha suas particularidades, que não foram observadas.

Nos dias de hoje, os Tribunais anunciam, com freqüência e como uma grande vantagem, que decidiram milhares de processos num determinado período.

Não há, porém, qualquer vantagem nesse tipo de estatística, porque sabemos que a produtividade que se alcança por meio de decisões genéricas é artificial, é ineficiente, enquanto geradora de mais processos.

Pois, dificilmente, alguém deixa de recorrer contra a decisão que, distanciada do solo firme dos fatos da causa, nega o seu pedido. Daí se segue recursos e mais recursos. E os recursos geram a necessidade de registro, autuação, remessa dos autos à instância superior, julgamento, publicação. Tudo isso tem o seu custo.

Parece ser bem mais fácil e menos trabalhoso identificar a matéria do pedido e utilizar uma decisão padrão, do que analisar com critério, caso a caso, se o requerente tem ou não o direito reclamado. Mas, ao fim e ao cabo, isso tem conseqüências. A pior delas é prestar um serviço de distribuição de justiça equívoco, ambíguo, omisso, obscuro, vicioso, moroso e burocrático. A sociedade padece, porque seus conflitos não são resolvidos a contento.

Quando se trata de processo criminal (e as decisões- padrão são freqüentes nessa seara, principalmente no campo da prisão preventiva), as consequencias são ainda piores: o equívoco, a ambigüidade, a omissão, a obscuridade, o vício, a morosidade e a burocracia judicial geram prisões e mais prisões. Os presídios lotam e o Estado, que não tem política penitenciária, deixa de ter controle sobre o que acontece do outro lado do muro. As facções dominam e lucram com a venda de serviços e produtos aos presos. A criminalidade aumenta.

Concluindo, não é minha pretensão apresentar a solução para os problemas do Judiciário, que são muitos e são complexos, mas estou certo de que esse modelo de distribuição de justiça por linha de produção é gerador de um ciclo vicioso que está levando a Justiça brasileira a vivenciar um verdadeiro colapso.

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