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Enem será um desafio para estudantes isolados pela pandemia; Veja dicas

Redação
Prova vai acontecer em janeiro do próximo ano, revelando desigualdades e o perfil de um novo estudante pós isolamento

Feriados como o dessa semana, que prolongam o fim de semana, acabam sendo os mais cobiçados pela maioria das pessoas. No rol das exceções, tem lugar garantido para os estudantes que se preparam para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

As 180 questões e a redação, muito mais que medir a qualidade do Ensino Médio, consolidaram-se como sistema de ingresso no Ensino Superior brasileiro desde 1999.

Passar o dia todo estudando, porém, não garante êxito. É o que dizem professores, estudantes e especialistas em comportamento ouvidos pelo Correio do Estado.

Em Mato Grosso do Sul, 82.710 candidatos estão inscritos para as provas, programadas para os dias 17 e 24 de janeiro de 2021, depois de muito atraso e reviravolta nas definições do Ministério da Educação, consulta pública e recrudescimento dos ânimos entre sociedade civil (estudantes e professores) e o governo.

Outros quase dois mil candidatos, que farão as provas somente em Campo Grande e Dourados, optaram pelo Enem Digital e realizarão os exames depois – nos dias 31 de janeiro e 7 de fevereiro.

São as duas únicas cidades do Estado que foram incluídas na nova modalidade, com mais 108 municípios e o Distrito Federal.

Pandemia

O candidato dispõe de um tempo total de 10 horas e meia, nos dois dias de Enem, para responder às questões, que são divididas em cinco grupos de componentes curriculares.

A redação, constituindo sozinha um grupo, é aplicada no primeiro dia, quando a duração tem meia hora a mais.

Mesmo que não seja o tema da redação no próximo exame, a Covid-19 é um assunto diário na cabeça de quem está se preparando para a provas.

Além de sua complexidade temática, o coronavírus é um fator que naturalmente joga contra as condições ideais na reta final de quem precisa de autoconfiança e um ambiente mais favorável para estudar; exatamente o oposto da incontornável onipresença midiática da Covid-19, bem como de sua ameaça à saúde e ao convívio social dos indivíduos.

“Não estou muito confiante na aprovação por causa da pandemia, que de certa forma me desanimou um pouco”, desabafa Diogo Roques Martins, de 16 anos e que cursa o terceiro ano do Ensino Médio na Escola Estadual Quevedo Chaves, no Parque Residencial Iracy Coelho Netto.

Estudantes

Os afazeres com o seu pequeno negócio, uma revenda de calçados, que ajuda na renda familiar, toma boa parte do tempo de Diogo. De olho na graduação em psicologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, ele acompanha como pode o regime não presencial da escola e tenta estudar, diariamente, à noite, “nem que seja por somente 20 minutos”. Sempre que possível, Diogo e o irmão, Wilson, de 18 anos, que também vai prestar o Enem, fazem simulados online. Se tivesse duas horas diárias para estudar, avalia, seria melhor. “Trabalho viajando pelo pantanal vendendo tênis”, conta Diogo, “e, às vezes, chego a passar uma semana fora de casa”.

A pandemia pode ter feito Campo Grande perder uma futura médica e ganhar uma atleta profissional. “Meu sonho sempre foi fazer medicina, mas nesses últimos dias voltei para a equipe de ginástica rítmica do estado e venho pensando seriamente em fazer educação física ou algo relacionado ao esporte”, diz Carol Taborda, de 16 anos, lamentando que, para suas novas opções, a UFMS ofereça somente licenciaturas.

“Nessa quarentena eu acordo bem tarde, quase na hora do almoço”, conta a estudante, que acabou mudando de escola já com o semestre iniciado, durante o período de restrição. “Eu estudava no Nota 10, que é um colégio integral e disponibiliza o plantão de noite. Eu estava ótima e focada em passar em uma universidade boa, mas, com a quarentena, parei de entender as aulas, larguei mão de estudar. Então minha mãe resolveu me colocar na instituição pública; não tem aulas online, só mandam folhas de tarefas. Não estão preparando os alunos para nada”, afirma a estudante.

A secretaria estadual de Educação planeja disponibilizar aulas virtuais de modo mais sistemático, pela plataforma do Google, a partir de outubro. Até lá, os estudantes da rede pública contam com transmissões de aula pela TV aberta - canais 11.1 ou 11.2 - ou pelo site da secretaria. Mas, além de ter a chance de tomar conhecimento do conteúdo diário somente quando liga a TV, já que não tem acesso a essa informação previamente, o estudante ainda enfrenta a irregularidade do sinal televisivo, que é muito ruim em boa parte dos 79 municípios de Mato Grosso do Sul e mesmo em várias regiões da capital.

Implantado em 2017, o projeto Protagonista Digital, de reforço à sala de aula por meio de conteúdos virtuais, chegou a mobilizar, no ano passado, dez mil dos 100 mil alunos do ensino médio da rede estadual. Mas sofreu grande evasão desde o início da pandemia e a própria secretaria de Educação deixou de investir nas atualizações do portal. Saudosa dos colegas da antiga classe e dos jogos de futebol às sextas-feiras, Carol admite não gostar de estudar e conta que já pensou “muito” também em fazer o curso de direito. Foi essa a carreira acadêmica escolhida por Bárbara Marcon dos Santos, de 17 anos, aluna do Colégio Nota 10.

“Sinto falta de poder olhar no olho dos professores, de conversar com meus amigos no intervalo e de passar tempo com as pessoas que eu gostava”, revela Bárbara, que se considerava mais estudiosa antes da quarentena. “Mas ainda sou relativamente focada”. Ao contrário de Diogo e Carol, que têm por hábito estudar ouvindo música, ela “ama” estudar sem nenhum barulho em uma mesa no próprio quarto. Volta e meia, porém, por solidariedade às preocupações maternas, vai para o escritório da mãe, a arquiteta Ana Cláudia Marcon, e monta sua mesa de estudos por lá.

Bárbara tenta manter a motivação e calcula que, desde 2018, já fez quase uma centena de simulados. Mas diz que não gosta de criar expectativas. “Se não treinar e testar a resistência, na hora não vou conseguir. O Enem não é tão difícil, o que acaba com as pessoas é ficar tanto tempo sentado”, aposta a candidata, para quem o afastamento dos professores tornou mais complicado o diálogo para tirar dúvidas. De qualquer maneira, além do Enem, a estudante vai prestar também o vestibular da UFMS. Sua agenda diária é bem diferente da rotina de Carol e Diogo. Ela acompanha as aulas virtuais de sete da manhã às sete da noite e costuma esticar o expediente até as 21 horas revisando os conteúdos. Ainda arruma tempo para correr e fazer um curso de redação.

“Correr me ajuda a relaxar e não ficar tão ansiosa; e o curso me ajuda a estar mais segura para a nota mais importante da prova. Se todo mundo encarar a pandemia como uma oportunidade de estudar da maneira que quiser, não como um problema, tudo fica mais simples e mais fácil para entrar na universidade dos sonhos”.

Candidato ao exame precisa de tranquilidade e estímulo

Embora tenham perfis bem distintos, os estudantes inscritos no Enem entrevistados pelo Correio do Estado - Diego, Carol e Bárbara - concordam, com ênfase, em um mesmo aspecto: estão com bastante saudade dos amigos da classe mas preferem estudar sozinhos. Prova de que a escola é um espaço que vai muito além do papel de um mero local para transmissão de conhecimentos teóricos.

As rotinas drasticamente alteradas geraram um bônus ingrato que pesa quase como luto: a perda do contato de corpo presente e da troca de ideias, tão próprios das turminhas de colégio e da fase final da adolescência, uma etapa fundamental na personalidade de qualquer indivíduo.

Para a psicóloga Ana Alice Reis Pieretti, doutoranda em psicologia experimental pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a pandemia não só agravou a desigualdade entre os estudantes com mais e menor renda, por conta do acesso necessário à tecnologia.

“O estudante que se prepara para o Enem hoje sonha em ingressar em um curso superior mesmo não estando em condições ideais; ele pode ter como desafio a organização de sua rotina e do material de estudo, que para o Enem é uma grande quantidade”, afirma Ana Alice, de 29 anos, conhecida como uma profissional que “estuda o estudar”, expressão mais informal para a linha de pesquisa que a psicóloga define como estudos de análise do comportamento e educação.

Os alunos também precisam lidar com outras dificuldades, diz a pesquisadora, a exemplo de problemas em manter a motivação para estudar e o foco de atenção em cada tópico do que se estuda, gerados pela mudança na dinâmica doméstica, e ainda a falta de concentração durante as longas aulas virtuais, precisando conciliar as tarefas exigidas com os estudos para o exame.

Rosângela Madruga, professora de matemática da Escola Elite Mace, observa que a autoconfiança, desde sempre, é um obstáculo para os jovens. “Desenvolver a segurança para uma avaliação é um processo bem complexo, o qual envolve não só preparação teórica, como também psicológica”, afirma a professora e coordenadora pedagógica.

“O aluno acabou tendo de abdicar de todo um suporte presencial, da possibilidade de estudar em uma biblioteca e da interação com os colegas. Isso se torna ainda mais relevante quando observamos o caráter social do jovem, que está em uma fase de desenvolvimento de sua identidade e personalidade.”

Estratégia

Sem ignorar as doses de angústia e incerteza do efeito pandemia no dia-a-dia dos vestibulandos, a professora de biologia Daniela Monteiro, do Nota 10, lembra que muitos alunos encontram dificuldade em estabelecer uma rotina de estudos devido às distrações constantes com as mídias sociais, “além de não desenvolverem estratégias para a otimização dos estudos, tais como hábitos alimentares saudáveis, horas adequadas de sono, leituras constantes e realização sistemática dos simulados”.

São, justamente, esses alunos, retoma Rosângela, que “não foram previamente preparados para enfrentar esse novo desafio, tendo que se reorganizar às pressas”. Agilidade na superação de modelos tradicionais de ensino depende, em larga medida, da condução feita pelo educador no processo coletivo de aprendizagem.

A coordenadora da Elite Mace diz que o professor teve que se reinventar ao lidar com as novidades da rotina docente, entre as quais, “atenção on-line cautelosa, um novo olhar na dinâmica da aula e momentos de interação com os alunos, como lives, plantões online e aulas motivacionais”.

A professora Daniela Monteiro acredita que, agora mais que nunca, a internet proporciona ao professor compreender a importância de ser parceiro de seus alunos: “navegar juntos apontando possibilidades de percorrer novos caminhos, provocando a descoberta de novos significados, permitindo aos alunos resolver problemas ou desenvolver projetos que tenham sentido de aprendizagem, transformando as informações essencialmente teóricas em conhecimentos práticos para a vida”.

Ninguém nasce com o domínio do processo de acumular conhecimento. “A habilidade de estudar é aprendida”, afirma Ana Alice, que já deu aulas na UFMS e esteve em intercâmbio de pesquisa nos EUA em 2019. No entanto, ter que escolher com o que trabalhar pelo resto da vida com menos de vinte anos de idade, embora seja uma obrigação questionada em várias análises, “é uma exigência do mercado”, lembra Alice.

Como qualquer tipo de pressão constrange o estado de ânimo de quem está prestes a entrar na idade adulta, cabe também aos pais mediar esse choque de realidade.

“A escolha de uma carreira profissional já gerava angústias; agora, durante a pandemia, esse sentimento pode ser intensificado por problemas familiares relacionados à saúde ou às finanças”, destaca Rosângela.

Para Alice, os pais podem auxiliar ouvindo queixas e inseguranças sobre esse período tão tenso para muitos jovens e, na medida do possível, criando um ambiente tranquilo para que esses alunos consigam se preparar em suas horas de estudo.

Via Correio do Estado

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