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Com 30 anos de carreira, Edson Castro quer ganhar o mundo de novo

Redação
Artista nascido em Corumbá e reconhecido internacionalmente aguarda retomada do circuito, sem parar de produzir e com três mostras engatilhadas

Visitar o ateliê de Edson Castro é estar perto da inquietação de um artista que faz o seu trabalho com sangue nos olhos e sonhos na cabeça, disposto a reagir febrilmente ao contato dos materiais com ideias e com inspirações que, de modo intrigante, vão ganhando forma e cor.

Estamos diante de imagens abstratas que prenunciam, no gesto visível da execução, o vínculo intenso com a liberdade e com a autonomia ao conduzir os passos de sua expressão.

O mundo pictórico projetado por Castro, que o posicionou como nome de ponta em Mato Grosso do Sul e no Brasil a partir de 2008, após conquistar a França, prepara-se para bater asas e novamente ganhar Paris, onde morou por nove anos, e outras praças.

Embora a pandemia ameace qualquer agenda antes de uma imunização mais generalizada, a galeria Ad Hoc Corner, em Tourrettes-sur-Loup, litoral sul da terra de Renoir, mantém em sua programação a próxima mostra individual do artista sul-mato-grossense, prevista para o mês de setembro.

Não que a explosão de cores, texturas e movimentos, tão marcante no abstracionismo, a um só tempo, caboclo e universal do artista já não esteja pulsando, literalmente, nas paredes da Ad Hoc Corner.

A galeria é uma das instituições francesas que possuem obras de Edson Castro em acervo e exposição permanente – assim como a Yohann Gallery e o Musée Singer Polignac, ambos em Paris – e localiza-se na glamourosa região de Cote D’Azur, próxima a Cannes.

Na parede com Picasso

Quando está por lá, Castro adora circular pelas ruas de um lugarejo vizinho, Saint-Paul de Vence, reduto de pintores célebres.

E não deixa de dar uma passada no hotel La Colombe D’Or, que, a exemplo do que já ocorreu com o artista brasileiro, abrigou no passado Miró, Modigliani, Léger, Braque, Matisse, Picasso e outros gigantes da arte moderna, recebendo como pagamento de diárias e de refeições o que se tornou uma coleção preciosa de obras desses criadores geniais.

Muitas ainda estão lá como decoração de luxo.

“Sou um ninja dos meus sapatos, estou onde eles estão”, diz Castro, levando na graça o próprio relato ao contar sobre a repentina mudança de endereço do seu ateliê, há poucos meses, do Carandá Bosque para o Jardim Paulista, por conta das vicissitudes do mercado imobiliário de Campo Grande.

Instalado em sua nova base, o “ninja”, melhor seria dizer, o DJ das cores, filho de pai Guarani e mãe Guató, segue na produção de novos trabalhos, que deverão estar no balneário do sul francês e também em outras paredes dos dois lados do Atlântico, a (re)começar por Paris e pelo Rio de Janeiro.

Desde o início do ano, três novos trabalhos estão em processo, prestes a receber a pincelada final a qualquer momento. A eles, juntam-se os trabalhos que o artista vem produzindo desde antes da pandemia.

Castro enfrenta o branco e as dimensões da tela com desenvoltura e extrema agilidade na execução, como já se viu em performances ao vivo na França e no Brasil, combinando pintura, jazz e dança em cena aberta.

Já entrou para a antologia dos happenings artísticos de Campo Grande a intervenção “Corpo Sobre Tela” (2018), em que a dançarina Jackeline Mourão, após Castro aplicar-lhe tinta no corpo, lança-se performaticamente sobre o espaço da tela, bem ao estilo Yves Klein (1928-1962).

E tudo sob a execução musical ao vivo do grupo El Trio.

Além de imprevistos, como a mudança recente de endereço, Castro diz que a Covid-19 acabou interferindo, sim, em seu ritmo de produção.

“Não sou reflexo das circunstâncias, nunca vou fazer nada porque aconteceu alguma coisa”, afirma o artista, “então achei que faria muito mais durante a pandemia, mas, quando você é obrigado, nada é legal”.

No Rio de Janeiro, uma vez mais, assim que a pandemia permitir, Castro vai expor em uma coletiva, organizada pelo curador Paulo Branquinho, no Museu Nacional de Belas Artes, ao lado de Luiz Aquila, mentor da geração 80, e de outros expoentes.

Já a nova mostra parisiense, prevista para o segundo semestre, mas ainda sem data confirmada, será realizada em uma galeria chinesa em Saint-Germain-des-Prés, bairro onde fica a igreja medieval de mesmo nome que é a mais antiga da cidade.

Essa mostra individual é, de certa maneira, fruto da exposição anterior que o artista realizou na cidade. Foi na sede da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Na ocasião, em janeiro de 2020, o colecionador argelino Sophian Hamdi arrematou as 15 obras de Castro que estavam em exposição no local.

A OCDE é o mesmo organismo internacional que colocou o Brasil em seu visor anticorrupção, no mês passado, sob alegação de ter observado estranhas manobras do governo Bolsonaro e do Congresso Nacional.

Assim que vingarem, essas exposições serão uma chance e tanto para o espectador mergulhar, se perder e percorrer.

Por conta e risco, as pistas vertiginosas e pulsantes que Edson Castro constrói com o bastão a óleo, o grafite, a aquarela e outros pigmentos. Embora tenha passado pela arte figurativa, o enfant terrible ataca a arte regional mais carregada de uma simbologia tão literal.

“A bovinocultura desintegra qualquer coisa aparentemente nova. Fica todo mundo nessa e eu já ultrapassei isso. Sou corumbaense [nascido em 16 de dezembro de 1970], mas não uso nenhum ícone daqui para sobreviver”.

Azul perfumado de sol

Fã confesso de criadores libertários, como a escritora Hilda Hilst (1930-2004), Edson Castro, em três décadas de carreira, apresenta um portfólio de mais de 20 mostras individuais em várias partes do Brasil e do mundo.

Embora de formação autodidata, ele destaca como pontos altos de sua trajetória o encontro com mestres como Charles Watson e Aline Figueiredo em cursos, workshops e curadorias.

Talvez por aí esteja o rompimento em definitivo com qualquer traço de academicismo em sua obra e, quem sabe, as labaredas que lhe forjaram uma autoria bastante singular na busca de uma assinatura por meio da transgressão estética.

Elogiado por críticos de renome dentro e fora do País, seu trabalho está em exposição permanente em museus e em galerias de São Paulo, de Paris, de Cuiabá, de Campo Grande (no Marco, que segue fechado) e de outras cidades.

E quando o Sesc inaugurar as novas instalações do Teatro Prosa, em sua unidade do Horto, o público terá à disposição mais 13 obras de uma fase intermediária do artista, a meio caminho da abstração.

Nada mal para um ribeirinho intuitivo que desde garoto forrava as paredes de casa com desenhos – feitos de pedra, de sabão, de carvão, de água e de “tudo que encontrava pela frente” – e que recebeu do amigo poeta Manoel de Barros (1916-2014) a seguinte confissão:

“Vi que há um perfume de sol nos seus azuis. Uma insistência de solidão nas imagens. É quando uma engenharia de solidão, uma pintura de solidão que nos liberta e nos alonga deste nosso mundo. Sua pintura me liberta muito”.

Via Correio do Estado

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